Túlio Espanca

Túlio Espanca

A figura e obra de Túlio Espanca (1913-1993) hão-de merecer sempre registo da admiração e da referência, no âmbito de atenções que, muito embora conducentes à valorização de um legado sobretudo cultural, têm na verdade a sua base no dinamismo científico, na capacidade de abertura aos valores do conhecimento e ao apontamento criterioso do factual, em que Túlio foi efectivamente um fundador. Conhece-se bem a pessoa, figura ímpar e sempre acarinhada, não apenas em homenagens públicas, como pela vivência que terá proporcionado no contexto sociológico eborense e alentejano, e que depressa galgou barreiras para granjear, não menos, de um estatuto público condigno do que, em momentos significativos da cultura portuguesa do séc. XX, o espírito e a acção foram capazes de exprimir.

Túlio Espanca foi um fundador, pioneiro e concretizador; partindo do seu sentido como autodidacta, começou por retirar notas do que havia a salvaguardar do imenso tesouro do património alentejano, culminando seguidamente na prolífera publicação de primeiros roteiros locais, consagrados a Évora (1949 e seguintes anos), ou na Direção da Revista Municipal: Cidade de Évora , onde se evidenciava o subjacente sentido de paixão pela terra, e nos ainda indispensáveis volumes do Inventário Artístico da Academia de Belas-Artes  (depois de 1966) dedicados aos lugares da geografia central alentejana. Em momentos em que as estratégias de salvaguarda patrimonial, bem como de fomento museológico, se consolidavam em Portugal, ainda que sob modelos que actualmente não têm aceitação neutra, e, em concreto, em fases em que Évora se constituía, em torno aos anos 60, como um importante foco cultural e artístico, ambiente de tertúlias, de fermento poético e até visionário, Túlio adquire o estatuto de historiador da arte, quando a própria disciplina entrava também em pleno nos cursos universitários, realçando-se também o facto de ter sido bolseiro em França e Itália durante a década de 1950.

Coube à Universidade de Évora e à sua Biblioteca Geral acolher o importante espólio de Túlio Espanca, composto por quase 4000 livros, incluindo edições classificáveis como reservadas, e que originaram presentemente a sala do FUNDO que tem o seu nome, no Colégio do Espírito Santo, inaugurada em Maio de 2013 por ocasião do seu Centenário. A acrescentar, a parte de espólio composto pelas suas fotografias, também integradas na BGUE. Um e outro fundos são a base crítica com que as sucessivas publicações do investigador vieram a esboçar-se e a formular-se quanto à organização de um levantamento de realizações monumentais, artísticas e decorativas existentes, e ainda então por revelar, e de que se fez a respectiva divulgação pública; tão só reforçou o enfoque sobre o que tornou belos os lugares centro-alentejanos, pela acção humana ao longo de uma História composta de breves instantes em que se colocava uma pedra no terreno, para se erguer depois alguma igreja ou ermida, e a seguir se decorava o edifício com silhares e painéis, e imagens de santos no seu opulento nicho de dourados, desenvolvendo-se ao redor a vila ou a cidade circundada por muralhas.

As publicações que compõem assim o FUNDO TÚLIO ESPANCA da Biblioteca Geral da Universidade de Évora, entre reservadas e modernas, estendendo-se em actualidade até edições de data recente (finais dos anos 80), cobrem naturalmente temáticas centradas em assuntos de História, Arte e Património, mas alargam-se igualmente a outros domínios, caso da Literatura. Encontrar-se-ão aí tanto as obras de consulta ou colecções genéricas, como textos e demais títulos de destaque particular. Abundam, então, obras como os grandes compêndios historiográficos do séc. XX, a par dos diversos guias, regionais ou internacionais, sobretudo versando sobre cidades notáveis, além de monografias de Évora, bem como das terras portuguesas, e a par de títulos sobre Arquitetura, sobre Pintores, Colecções de Pintura, sobre os Museus da Europa, ou a célebre colecção História Mundi , que tratava de temas do mundo antigo. Fundamental é a presença de títulos, de âmbito precisamente monográfico, que se referem a realizações construtivas e programas artísticos que acompanhavam o ritmo da conclusão de estudos que se iam esboçando quanto ao património português, sobretudo saídos em torno aos anos de 1970-1980. A par dos guias portugueses promovidos pela Fundação Gulbenkian, e além dos guias de Évora, Braga, Lisboa, Setúbal ou do Guia da Caparica  do Conde dos Arcos e a História de Mourão do Frei  António das Chagas, encontra-se inesperadamente o Handbook of the Hispanic Society of America .

Trata-se, de qualquer modo, de um Fundo bibliográfico completo, coerente, alargado, que mostra o mundo na sua plena luminosidade contemporânea, enquanto ponto de chegada dos séculos da construção humana, e que reflete a actualidade porque corresponde à própria atenção quanto a edições recentes, adquiridas no sentido de formação de uma biblioteca pessoal, adequada a um perfil de estudioso. Como conjunto, testemunha-se como fonte de conhecimentos, assinalando o recôndito do apoio à reflexão em privado, que complementava as restantes deambulações entre incunábulos e papéis de arquivo, essenciais à reconstituição documental. O resultado desembocou em trabalhos ainda hoje pouco ultrapassados quanto a uma determinada visão da memória e da firme insistência quanto à preservação das heranças perenes, e que continuam a ser a base para as nossas próprias inquirições.

Manuel F. S. Patrocínio
Universidade de Évora
Escola de Ciências Sociais – Departamento de História